segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Depois da Luta que não houve: o medo

Depois do episódio da luta que não houve e da informação de que os revoltosos regressaram de Simplício Mendes, a calmaria voltou a São João, que retomou à normalidade da vida.

Aconteceu, porém, um fato que não estava na previsão do povo do interior, que vivia isolado dos grandes centros, dada a ausência de comunicação. Como a revolução fora programada, deflagrada e conduzida pela oficialidade do exército, os seus colegas de farda que não aderiram ao movimento se esquivaram de participar da luta. Assim o governo ficou sem tropas para fazer a repressão pela vastidão do território nacional. Nessa emergência, recorreu aos governos estaduais, que jogaram as polícias na perseguição aos revoltosos. Como o número de policiais era pequeno, as forças policiais abriram-se ao voluntariado. Para facilitar o alistamento, criaram-se postos de recrutamento nos municípios, confiados a oficiais, cujas patentes eram concedidas de acordo com as informações políticas.

Assim apareceram como oficiais da polícia, de uma hora pra outra, os Leão de São Pedro, os Ferreira e os Rubens de São Raimundo Nonato e outros figurões do Piauí. Na Bahia os mais famosos eram os Franco e os Leobas, e, no Ceará, Virgulino Ferreira Lampião, com a patente de capitão. Como os governos não tinham dinheiro para cobrir as despesas decorrentes, deram-lhes o direito de fazer requisições de tudo que carecessem para organizar seus batalhões, como sejam animais, mercadorias, cereais e tudo que estivesse à vista. Armados com esses poderes, os novos oficiais recrutavam suas tropas, que viajavam por onde melhor lhes conviesse, com o objetivo de capturar revoltosos. Nesse particular, os líderes que fizeram a revolução conseguiam, em parte, dentro da sua visão, aquilo que desejavam: a desordem nacional.

Em São João do Piauí passaram várias tropas, que demoravam pouco, em face da informação de que os revoltosos haviam desistido de vir a nossa cidade, Não me consta que tenham feito desmandos, além de pegar cavalos, bois e bodes, por onde iam passando. Os próprios chefes locais se identificavam com eles e prometiam colaboração, na qualidade de representantes do governo do Estado. Como não podiam protestar, diziam que estavam de acordo e mantinham a convivência pacífica.

Acontece que chegou de surpresa um capitão, cujo nome não recordo, vindo de São Raimundo Nonato, na chefia de um grande contingente. Acampou com sua tropa nos subúrbios e declarou que trazia instruções de permanecer, para defender a cidade da invasão dos revoltosos. Em vão os chefes e pessoas graduadas tentaram convencê-lo de que as tropas de Carlos Prestes haviam regressado de Simplício Mendes, de modo que se tornava inútil sua permanência. “Ordem é ordem, e será cumprida”, retrucou o capitão. A cidade se apavorou, com justos temores da jagunçada, e voltou a insistir, indagando qual seria a garantia para a manutenção da ordem. O capitão respondeu que sua tropa era constituída de jagunços e, para ser franco, não mereciam confiança, porque não tinha força para contê-los.

Depois do medo, que era contagiante, veio o pânico generalizado, que determinou a fuga em massa para onde fosse possível. Os locais preferidos eram o interior do município. Quem não tinha terra ou moradia disponíveis pedia emprestado ao amigo ou vizinho, que cedia de boa vontade, dentro do espírito humano de solidariedade.


Em pouco tempo a cidade estava vazia, apenas com três moradores: O Padre José Maria Leau, franco-alemão, Agio Rosado e Josefa Maria de Sousa, vulgo Zefinha Gambá. Os comerciantes fecharam as lojas e carregaram as mercadorias. Esse vazio durou alguns meses, com o retorno paulatino dos moradores.

sábado, 18 de janeiro de 2014

Coluna Prestes: ou Luta que não Aconteceu

A campanha sucessória federal nos idos de 1926 foi tumultuada, porque as forças armadas, notadamente o exército, não se conformaram com a escolha do candidato oficial, o mineiro Artur Bernardes, para Presidente da República.

Depois de eleito e empossado, não faltavam focos de insurreição dentro da oficialidade, até que estourou um grande movimento que envolvia os militares do sul do país, sob o comando do General Isidoro Lopes.

Derrotados nos primeiros embates pelas forças legalistas, os revoltosos organizaram forças expedicionárias para percorrer o interior, com vistas a perturbar o bom funcionamento do governo. A mais importante foi a coluna Prestes, chefiada pelo tenente Luís Carlos Prestes, que depois ficou famoso no mundo inteiro pela atuação no Partido Comunista no Brasil.

Partindo de Porto Alegre com seus companheiros, montados em cavalo, Carlos Prestes percorreu todo o território nacional até o extremo norte, quando se homiziou na Bolívia. Seu braço direito no norte era o tenente Juarez Távora, natural do Ceará. Chegando às imediações de Teresina, o tenente Juarez Távora foi preso e recolhido ao quartel da guarnição federal, o 25 BC. Carlos Prestes, entretanto, lutou com toda a bravura; vencedor ou derrotado nas batalhas, nunca foi preso. No Piauí ele esteve em Uruçuí, Amarante, Oeiras e Floriano, bem como Picos, para citar as cidades mais próximas de nós. Ao chegar a uma cidade, seu alvo principal era a repartição do telégrafo, para transmitir as notícias a seu gosto. Em Simplício Mendes, Prestes não passou, mas enquanto estava em Oeiras, mandou um grupo de revoltosos visitar essa cidade.

É nesse particular que São João entra na história da revolução, uma vez que veio a notícia de que São João era o alvo imediato dos revoltosos. Ao ter conhecimento da presença dos revoltosos em Simplício Mendes, nossa cidade se alvoroçou e entrou em pânico. Apesar da divergência, os Costa, Paulo e os Carvalho uniram-se na defesa da cidade, no sentido de organizar a resistência.

Os cidadãos de maior respeito e responsabilidade ficaram com a incumbência de organizar grupos armados para enfrentar os revoltosos na estrada que demandava a cidade de Simplício Mendes. Foram montados três piquetes: um na estrada principal da Lagoa da Serra, próximo à lagoa do Marmeleiro; outro na Salgada; e o terceiro na Vila Foca. Não sei de quantos combatentes se compunha cada grupo, nem os nomes de todos os capitães. Só me recordo que o primeiro deles foi confiado ao capitão da Guarda Nacional Pedro Paulo Alves, conhecido pela coragem e valentia. A cidade ficou em angustiosa expectativa, com a recomendação de os moradores se trancarem dentro das casas nas primeiras horas da noite.

Logo no primeiro dia, altas horas da noite, uns viajantes desavisados vinham conversando em voz alta, na direção do piquete do Capitão Pedro Paulo. Interpelados, não estacaram, porque ignoravam o estado belicoso em que se encontravam. O Capitão não teve alternativa e mandou bala, que vomitava dos rifles dos seus comandados. Os outros combatentes dos piquetes vizinhos, assustados e desorientados, mandaram fogo também. Ao ouvir o tiroteio a cidade ficou alvoroçada, na convicção de que a luta estava travada nas três frentes, e os santos ficaram sem tempo de atender tanta reza, até que chegou um aviso, restabelecendo o equívoco.


Final do episódio: os revoltosos não vieram a São João, regressando de Simplício Mendes, mas a história da revolução de 26 envolvendo São João não esbarrara aí.

Década de 20 - Continuação

Como consequência dessa briga política, a cidade era dividida em duas sociedades. Um grupo não comparecia a festas promovidas pelo adversário. Até dentro da Igreja, nas novenas e nas missas, havia o lado dos Carvalho e o dos Paulo com os Costa, Duas bandas de música bem equipadas e instrumentadas existiam na cidade, uma de cada partido, para suas promoções e as festas sociais.

Dois acontecimentos de destaque ocorreram na segunda metade da década: a eleição de João Santos para Intendente e a de Manoel Clementino de Carvalho para deputado estadual. Um terceiro acontecimento em 1928 foi a nomeação do juiz Joaquim Vaz da Costa para desembargador do Tribunal de Justiça em Teresina. Enquanto os dois primeiros resultaram no fortalecimento dos Carvalho, o terceiro enfraqueceu os Costa e Paulo, que perderam a voz de comando desassombrada do Juiz, ficando na condição de órfãos.

João Santos fez uma administração operosa. Construiu o açougue municipal, cujo prédio ainda existe, e a estrada carroçável para Simplício Mendes. Mas sua grande realização foi na educação, pela modernização do ensino. Criou a escola Pedro Borges, com equipamentos e materiais os mais modernos até então existentes; trouxe uma professora normalista de fora, competente e dedicada, Honorina Neiva Bezerra, a quem deu muito apoio.

O major Honório continuava no comando da política, sem contestação, até que em 1930 a Revolução vitoriosa de Getúlio Vargas trouxe o objetivo, que cumpriu em parte, de derribar todas as oligarquias existentes, destituindo os caciques. Honório Francisco dos Santos caiu no ostracismo e no esquecimento. Sem recursos, sem aposentadoria, pai de numerosa família, morreu cego e pobre no dia 2 de outubro de 1942, deixando um nome ilustre na nossa história e um exemplo digno de ser imitado.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

São João do Piauí - Década de 20



Nascido na fazenda Zimbro, cheguei a São João no ano de 1920, em companhia de minha família, com a idade de quatro anos. A primeira escola que frequentei foi a do tenente Antônio Cavalcante, quando completei seis anos.

A cidade só tinha uma escola pública, ocupada por D. Genésia Arrais. As famílias não acreditavam no ensino público, preferindo as escolas particulares, que eram quatro: do tenente Antônio Cavalcante, de D. Laura Carvalho, de Teodoro Feliciano e de Nesinho da Felisbela. O único auxiliar que possuíam era a palmatória. Nessa época se acreditava que o entendimento entrava na cabeça do aluno pelo castigo, sendo a palmatória o mais preferido.

A fonte principal da nossa economia era a borracha, extraída da maniçoba, arbusto nativo, em abundância em todas as chapadas do extenso município. O município foi habitado, cresceu e se desenvolveu por conta dessa atividade lucrativa, que atraiu trabalhadores, comerciantes e aventureiros dos municípios e estados vizinhos. Nessa leva de migrantes vieram homens e mulheres, a maioria com interesse de ganhar boa vida, outros foragidos da justiça de suas terras e alguns homens de bem, na intenção de crescer e prosperar.
Entre os últimos, chegou à cidade, no dia 3 de outubro de 1880, vindo de Casa Nova (Bahia), o jovem Honório Francisco dos Santos, que abriu casa comercial e se identificou com a comunidade. Ingressou na política, foi eleito intendente e tornou-se poderoso chefe, major da guarda nacional. Destemido e corajoso, enfrentou os adversários, que tinham como chefe principal o Dr. Joaquim Vaz da Costa, Promotor Público e depois Juiz de Direito da Comarca.

Os partidos políticos não tinham nomes, sendo identificados pelos das famílias dominantes, De um lado os Carvalho, do outro os Costa aliados dos Paulo, não só rivais, mas inimigos radicais.
Para sustentação da política, o Dr. Vaz da Costa criou um jornal, a Voz do Sertão, impresso na tipografia que trouxe de Teresina. O alvo principal era o major Honório, barreira intransponível dos adversários e detentor da confiança dos amigos.


Houve um episódio perigoso, que custou caro ao major Honório. Entre os migrantes, chegou um senhor Teófilo, com fama de valentão, que se localizou na região de Boa Esperança e se encostou em Dr. Vaz da Costa. Teófilo gostava de provocar o major Honório. Certa vez, passou em frente à casa do major, que estava sentado à porta, e levantou o paletó, para exibir o revólver. Repetiu o gesto duas vezes, Então o major o acompanhou, sem ser visto, na direção do prédio da cadeia, onde estava um soldado montando guarda. Com um aceno do major, o soldado atravessou na frente do Teófilo e deu-lhe voz de prisão. Quando este reagiu, o major estava com um revólver futucando-lhe as costas. Teófilo, meio acovardado, implorou: “Não me desmoralizem”. O major retrucou: “Quem não pode ficar desmoralizado é a autoridade. O lugar de bandido é na cadeia”.

Os amigos do Juiz mandaram buscá-lo na fazenda. Chegando à cidade, concedeu habeas corpus, regressando Teófilo a sua casa, prometendo vingança, sem imaginar que providência maior o aguardava. Na estrada, caiu em um piquete, onde recebeu alguns tiros e embarcou para o outro mundo.
Foi uma agitação generalizada, com acusações ao major e ameaças à sua pessoa. O Juiz abriu processo e decretou prisão preventiva, resultando na saída do major para a cidade de Casa Nova, onde passou uma temporada, enquanto derribava o processo no Tribunal de Justiça.

De outra feita, quando estava na sua fazenda Caché, o Dr. Vaz da Costa foi vítima de um atentado, dentro do seu dormitório, com vários disparos, que felizmente não o atingiram. Num caso e no outro, nunca se encontrou uma prova de autoria, circunstância que pouco interessava, pois os adversários só queriam bombardear o major Honório, que era o grande sustentáculo da política dos Carvalho, com voz de comando e decisão, sem vacilação.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

São João do Piauí - Origem



Igreja Matriz de São João Batista (S.João do Piauí)


São João do Piauí é um município sem história escrita. Todo mundo sabe que nascemos e nos criamos sob o domínio da economia gerada e desenvolvida dentro dos currais e nos campos de pastoreio dos rebanhos bovinos, inicialmente, e depois dos caprinos e ovinos. As histórias contadas e cantadas pelos vaqueiros fazem parte do nosso folclore, chegadas até nós pela tradição oral, muitas vezes entoadas pelas amas, embalando as crianças nas redes de dormir.


Foi assim mesmo, nosso município apareceu despertado pelo mugido dos bois, que foram confiscados aos padres jesuítas, com suas fazendas situadas às margens do rio Piauí, que de um e do outro lado eram constituídas de campinas repletas de capim mimoso, que se transformava em carne depois de assimilado pelo gado. Não havia cercados para prender a gadeira, que era criada às soltas, como se fosse nômade. As fazendas Boqueirão, Fazenda Grande, Canavieira, Espinhos, Salinas, Cachoeira e Gameleira, nos confins das nossas terras, eram cheias de gado pé duro. Remédios, vacinas, veterinário para quê? O gado nascia e se criava sadio pelas leis da natureza, dispensando cuidados técnicos. Seus guias e domadores eram os vaqueiros, montados em cavalos adestrados.

Nos sertões, sem estradas de penetração, nas matas habitadas por onças bravias e valentes, como se operou a ocupação? Como foram desbravadas e ocupadas as terras dos nossos chapadões, sem rios, sem brejos, nem olhos d’água? Perguntamos agora e pouca gente sabe responder.

Foi uma espécie de gente denodada e corajosa, que enfrentava a cobra, o mosquito, a mutuca e a onça preta ou pintada, armada de espingarda, foice e facão, conduzindo um ferro pequeno, chamado lega (assim mesmo: “léga”) à procura de maniçobeira nativa, de onde extraía o precioso e valioso látex, que se transformava em borracha, vendida para o exterior. Os maniçobeiros embrenhavam-se na mata aos bandos, por medida de proteção recíproca. Dividiam-se durante o dia, mas de noite juntavam-se no lugar da dormida, no centro da mata, ao redor de uma fogueira. A onça, que os espreitava, esbarrava a certa distância com medo dos inimigos mais numerosos; se avançasse, seria morta.

Os maniçobeiros desbravaram e ocuparam os lugares mais distantes, não apenas de São João do Piauí, como dos municípios vizinhos. Instalaram fazendas e povoações que prosperaram à força e por conta da economia da borracha. As cidades de Simplício Mendes, Canto do Buriti, Socorro do Piauí, Paes Landim, João Costa, Pedro Laurentino, Nova Santa Rita e Campo Alegre tiveram por início os barracões dos maniçobeiros, que ali faziam o ponto de encontro para venda da borracha e relacionamento social nos fins de semana. Ao fim dos dias de domingo, os desbravadores voltavam aos centros da chapada, para reiniciar as tarefas na segunda-feira, com toda precariedade, devido à falta d’água e de mantimentos. Trabalhavam seminus: sem camisa, com um toco de calça, à guisa de calção. O banho era tomado apenas ao sair da mata, em m de semana, quando a bebida franca e a comida farta compensavam os maus tratos da semana, reconfortados pelo gordo dinheiro que embolsavam.

Foi a comercialização da borracha que pesou na fixação de nossa feira semanal para o dia de segunda. Os maniçobeiros entregavam nos barracões, aos sábados, a borracha extraída e preparada durante a semana, que depois era transportada em jumentos para a cidade. Os tropeiros levavam todo o dia de domingo na viagem, para vendê-las aos comerciantes na segunda-feira.

Depois que passou o período da borracha, várias tentativas já foram feitas para mudar esse dia da feira para o sábado, mas todas elas frustradas, valendo as raízes da tradição.

Essa economia da borracha foi o principal incentivo do comércio de São João do Piauí, até o ano de 1950. O período de maior movimentação foi o da grande guerra mundial, que eclodiu em 1939, quando a Alemanha sustentou uma luta de cinco anos contra o resto do mundo. Na segunda metade da guerra, o Japão entrou ao lado da Alemanha e ocupou as terras que produziam borracha na Ásia, condição que deixou os aliados em muita dificuldade. Então, a salvação estava nos seringais da Amazônia e nos maniçobais do Piauí.

Organizou-se assim a chamada frente da produção para abastecer os aliados de borracha, sem a qual a guerra não poderia continuar. Eu pessoalmente tenho uma recordação muito grande daqueles tempos, porque a firma comercial do meu pai, da qual eu fazia parte (Pedro Laurentino & Filho) era a maior produtora de borracha. No último ano da guerra, nós embarcamos 40.000 quilos de maniçoba. O transporte era feito em costas de jumento até Petrolina, atravessava o rio São Francisco em barcas e seguia de trem até Salvador pela estrada Leste Brasileiro. Com os mares cheios de submarinos inimigos, não era aconselhável o transporte marítimo para tão preciosa carga. Para completar a viagem, entravam em ação os grandes aviões americanos, em voos diretos de Salvador para Nova York.

Nesse período da borracha não havia desemprego em nossa terra. Quem não trabalhava nas matas se ocupava nos  transportes, nos barracões e nos armazéns dos comerciantes. Até o jumento era valorizado pelo serviço que prestava. Era uma paisagem bucólica: a Praça Noé Carvalho vivia cheia de jumentos, descarregando e carregando borracha e mercadorias, nesse vai-e-vem quotidiano do nosso comércio, que era o maior da região. Não havia presença do poder público. Tudo era por conta da iniciativa privada. O estado e o município só apareciam para cobrar impostos. Também, que beleza: não havia corrupção. Essa palavra só existia nos dicionários.

Outra interrogação é oportuna por curiosidade. Se a terra era despovoada, de onde veio essa gente destemida e decidida prestar tantos e tão relevantes serviços a esta região estranha?

As minas de ouro e outros metais preciosos constituíram por este Brasil afora forte motivação para as bandeiras, que partiam de São Paulo e penetravam terras desconhecidas e distantes, Através delas foram povoados muito territórios dos sertões, onde conviviam os índios e as feras.

No nosso caso, os exploradores da borracha vieram dos estados vizinhos, especialmente da Bahia e de Pernambuco, inicialmente, e mais tarde dos municípios de Picos e Paulistana, para citar os mais próximos.

O município de São João do Piauí, no início do seu nascimento, recebeu sangue novo, vindo da cidade e do município de Riacho de Casa Nova, do Estado da Bahia. No último quarto do século XIX, emigraram pessoas de várias condições sociais, sobretudo do sexo masculino, atraídas pela notícia do ganho fácil, que proporcionaria melhores condições de vida. Não há registro na história oral da vinda de casais, nessa aventura de viajar para terras desconhecidas e distantes. As famílias dificilmente se arriscam nesse passe meio misterioso. Os solteiros é que se lançam nas aventuras, arriscando o futuro.

Entre os migrantes destacaram-se alguns nos diversos ramos de atividades, sendo o mais famoso Honório Francisco dos Santos, que se casou duas vezes, por motivo de viuvez, e deixou uma prole numerosa. Foi agraciado com a patente de major da Guarda Nacional e passou a ser conhecido, dentro e fora do município, por major Honório. Ingressou na política, elegendo-se Intendente Municipal por dois mandatos, e assumiu de fato e de direito a chefia do partido dos Carvalho até o ano de 1930, quando foi destituído e levado ao ostracismo pela vitoriosa revolução de Getúlio Vargas. Morreu em avançada idade, cego e pobre.

Residência do Major Honório - Foto Publicada por Honório Filho


Outro menos ilustre, mas com alguma notoriedade, foi José Torquato, que se localizou na fazenda Alegre, onde mantinha grande lavoura, dedicando-se também à extração da borracha de maniçoba, bem como à criação de gado. Casou uma filha com o promotor, depois Juiz e mais tarde desembargador Joaquim Vaz da Costa, que ganhou, pelo conceito, conhecimento e prestigio, o cargo de Prefeito do Município, após a revolução de 30.

José Martins Estrela veio de visita e gostou da terra, aqui ficando até morrer. Sua atividade foi o comércio de tecido e gado. Cresceu tanto e com tamanha rapidez, que se tornou o homem mais rico da região. Fazia compras na cidade de Salvador e despachava viajantes para revenda no sul do Piauí e no interior de Goiás, De volta, seus agentes traziam muitas boiadas, que ele engordava e repassava para outros centros consumidores.

José Martins casou-se com Jesuína Ferreira de Carvalho, da família mais importante do município, filha de José Ferreira de Carvalho. Construiu para morar um sobrado, com dois pavimentos, no alto da Santa Fé, à semelhança dos castelos medievais. Depois da morte do casal, esse luxuoso edifício ficou inicialmente desocupado e depois abandonado sem os cuidados necessários. Em 1935 um herdeiro o vendeu por preço irrisório a Simplício Carvalho, que o demoliu para vender o material a quem interessasse. José Martins e Jesuína não tiveram filhos, sendo seu rico patrimônio herdado pelos sobrinhos da mulher.

A terra que constitui o patrimônio do município de São João do Piauí, onde fica localizada a cidade, foi doada por ele. No seu testamento, doou para a Diocese do Piauí as terras que compõem a data Fazenda-Grande, com todos os pertences, inclusive a sua casa de residência, com a condição de instalar um colégio, destinado à educação da juventude. O Bispo de Teresina, D. Otaviano, desistiu da dádiva por falta de condições materiais de cumprir a vontade do testador. O testamento e a desistência estão registrados no cartório do lº Oficio de São João do Piauí.

Para se ter uma ideia da grandeza do patrimônio de José Martins Estrela, pertenciam-lhe as datas Fazenda-Grande, Canavieira e Espinhos, todas povoadas de gado. Essas fazendas pertenceram aos jesuítas, foram confiscadas pela Coroa Portuguesa e depois arrematadas por ele ao governo do Brasil.