terça-feira, 1 de abril de 2014

Golpe de 64 - Os Partidos Políticos



Em seu poder absoluto, resolveu o governo extinguir os partidos políticos, no pressuposto de formar uma base parlamentar a seu lado, pois o PSD e o PTB, que representavam a maioria, constituíam entraves aos seus planos.

Assim, no ano de 1965 foram eliminados da vida pública e partidária todos os partidos existentes, criando-se para substituí-los a Arena e o MDB, duas siglas de Aliança Renovadora Nacional e Movimento Democrático Brasileiro, que formariam o bipartidarismo: governo e oposição. Aconteceu que, na prática, para a Arena foram os políticos aproveitadores, que não sabiam conviver com a oposição. Essa circunstância criou problemas nos estados, por causa das divergências surgidas dentro do próprio partido. Como solução, o governo criou três legendas para cada agremiação, funcionando cada uma como partido próprio, com direito a registrar candidatos. Nestas condições, ocorreram casos de três candidatos a Prefeito, em disputa dentro do mesmo partido, pelas legendas um, dois e três. Aqui em São João do Piauí, registraram duas legendas os grupos dos Paes Landim e do Sabino Paulo, durante toda a ditadura militar.


Já no MDB não havia essa controvérsia, porque os políticos que o procuravam não chegavam a formar mais de uma legenda, toda ela sintonizada na luta contra o governo militar e seus atos de prepotência. Foi presidente nacional do MDB e depois PMDB o Dep. Ulisses Guimarães, até que a morte o levou. No Piauí, o primeiro presidente desse partido foi o Deputado Chagas Rodrigues, até que foi cassado. O segundo fui eu, que passei quatro anos nesse posto em Teresina, enquanto lá tinha minha residência.

Golpe de 64 no Piauí - 3


Para se ter uma ideia da prepotência desse regime chamado revolucionário, mas que era simplesmente discricionário, vou citar alguns exemplos. No Piauí, existia um famoso jornalista, Josípio Lustosa, diretor do jornal “O Estado do Piauí”, o qual fez toda a campanha do candidato Petrônio Portela. Divergiu do governador eleito, por discordar dos atos de sua administração, que considerava desonestos, e por essa razão foi demitido do seu cargo de Fiscal de Rendas, que exercia há quase trinta anos. Esse homem ficou na rua da amargura, passando privações com sua família, socorrido pelos amigos. Eu próprio ajudei-o a atravessar essa vicissitude. Apelou para o Tribunal de Justiça do Estado, que se julgou incompetente. Apelou para Brasília e um dos Ministros do Supremo Tribunal, que foi o Relator do Processo, ficou condoído da situação desse pobre jornalista e concedeu o mandado de reintegração, que não foi cumprido pelo Governador Petrônio Portela. Quando ele renunciou, para se candidatar ao Senado, o Vice João Clímaco de Almeida cumpriu o mandato judicial do Supremo. A conclusão é que Josípio foi reintegrado, recebeu todos os salários atrasados, mas o Ministro do Tribunal, que o salvou, foi aposentado compulsoriamente, por decreto do Presidente da República.

Com medo das urnas, o governo da ditadura militar transferiu para as Assembleias o direito de eleger os governadores. No Rio Grande do Sul, o Dr. Cirne Lima, homem de muita competência, compostura e respeito, se candidatou a Governador e tinha sua eleição assegurada. Como não era do agrado dos militares, às vésperas do pleito dentro da Assembleia, o Presidente da República cassou o mandato de três deputados estaduais, a fim de que o concorrente de Cirne Lima ficasse em maioria e ganhasse a eleição indireta, como de fato ganhou.


Os jornais que se rebelavam contra essa nova ordem execrada e revoltante, sofreram perseguições de todos os gêneros e qualidades. Até papel lhes era negado o direito de comprar.  Assim viveu o Brasil, durante o período dos governos de cinco generais do Exército.

Golpe de 64 no Piauí - 2

O Congresso decretou a vacância do cargo e elegeu o Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco para a Presidência da República, encerrando-se o período de democracia constitucional no Brasil. O Presidente exercia ao mesmo tempo os três poderes da República. Cassava os mandatos dos parlamentares, governadores e juízes, suspendia os direitos políticos, por 10 anos, demitia funcionários estáveis, deportava para o exterior seus adversários políticos, parecendo que tínhamos retornado aos tempos horrorosos da idade média. Quando um deputado ou senador protestava do alto dos seus direitos, recebia como resposta a cassação do mandato. Quem mais sofreu injustiça foi a nossa juventude. Rapazes e moças, tão inexperientes como corajosos, que protestavam contra tantas perseguições, iam esbarrar nas prisões, onde eram torturados e martirizados até a morte. Outros fugiam para países mais próximos ou mais distantes, para ficar longe de tantas atrocidades. Só a UDN, ansiosa de mando, estava satisfeita, enquanto as vozes de protestos partidários saíam apenas do PSD e do PTB ou outros partidos menores.

A característica dominante no chamado governo da Revolução era o completo e total desrespeito à Constituição e às leis do país. As perseguições contra os adversários do regime de então eram constantes, tanto no cenário nacional como nos estados. As maiores lideranças políticas do PTB e do PSD tiveram os mandatos cassados e suspensos os direitos políticos, sem qualquer processo ou investigação. Corria tudo por ato arbitrário da vontade do Presidente da República, sem direito a apelo à justiça.


No Piauí a guarnição federal pediu aos deputados que cassassem o mandato do deputado José Alexandre, irmão do ex-governador e então deputado Chagas Rodrigues. Numa Assembleia de 32 deputados, a única voz discordante foi a do Dr. Celso Barros, pela sensibilidade dos seus princípios jurídicos (*). A consequência é que seu nome foi incluído no projeto e cassado igualmente, por votação unânime de toda a Assembleia. O sentimento de covardia era dominante entre os políticos. Ouviam-se vozes de protestos na Câmara e no Senado da República, mas a reação vinha logo dos militares, através de ato do Presidente, que cassava e suspendia por 10 anos os diretos políticos do deputado ou senador que tinha a ousadia de se rebelar. Nesse número dos cassados, entrou o único deputado federal do Piauí que se mantinha fiel a seus princípios políticos, Chagas Rodrigues, representante da Legenda do PTB.

(*) Nota: em 1964 Constantino não era Deputado, em 1962 ele havia disputado  o cargo de governador com Petrônio Portela.

Golpe de 64 no Piauí - 1



Cada dia se complicava mais a situação de João Goulart no governo da República. Oficialmente, seus partidos no Congresso eram o PTB e o PSD, mas a UDN penetrava muito em palácio e tirava proveito, sem retorno eleitoral, Aqui no Piauí, o Governador Petrônio era publicamente o seu representante, para tirar todas as vantagens. O Presidente vivia empolgado com as causas trabalhistas, de que eram porta-vozes os sindicatos de todas as classes e categorias. Essa postura irritava muito os militares, sobretudo a oficialidade, mas os assessores governamentais fomentavam os sargentos, numa luta de classe, reagindo dentro dos quartéis. Não precisava ser bom observador, para saber que o fomento à indisciplina era um erro de graves consequências. Na defesa de suas prerrogativas constitucionais, João Goulart apelava para as populações civis, prometendo realizar reformas de base, que seriam uma revolução dentro da escala social. Dessa campanha se aproveitaram os adversários, muitos deles em convivência dentro do palácio, para ligar as propostas governamentais com as do comunismo russo e cubano.

Numa dessas viagens, já às vésperas do golpe, em um almoço oferecido ao Presidente, nos salões do Jockey Club, em Teresina, presentes o secretario e os altos escalões udenistas, o Governador Petrônio fez protestos  da maior solidariedade a João Goulart, afirmando que o Piauí marcharia armado a seu lado, contra os adversários do regime


Era esse o clima político e popular do país, depois que entrou o ano de 1964. Qualquer dia, tropas estariam se confrontando, segundo as previsões dos analistas políticos. A 29 de março de 1964, o General Mourão Filho levantou seu regimento no interior de Minas Gerais e marchou para Brasília. A seguir, de todos os recantos do Brasil, o Ministro da Guerra recebia mensagem de solidariedade aos insurrectos. O Governo fez em vão as primeiras tentativas de preparar reações, mas não encontrou apoio em parte alguma, não restando outra alternativa para João Goulart, senão fugir para o Uruguai no dia 1° de abril, sem passar o cargo a seu substituto legal. Somente três governadores ficaram fiéis ao governo deposto: o do Rio Grande do Sul, Pernambuco e Paraíba. O do Piauí pediu perdão aos militares, agarrando-se com os oficiais de suas relações.